quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Anestesiologista condenado a 6 meses de prisão por pesquisa falsa!



O anestesiologista Scott Reuben foi condenado em Boston, Massachusetts, a 6 meses de prisão por falsificar uma pesquisa envolvendo celecoxib (Celbrex, Pfizer) e rofecoxib (Vioxx, Merck).
Os resultados dessas "pesquisas" forma, é claro, a favor da associação dos dois medicamentos à outros medicamentos na analgesia multimodal.
Além disso o "pesquisador" perderá U$ 50.000 dos seus bens, pagará uma multa de $5.000 e deverá restituir para as empresas farmacêuticas que financiaram a pesquisa U$ 361.932 incluindo U$ 295.557 para a Pfizer.
A Pfizer pagou o Dr. Reuben para que fizesse um estudo clínico sobre o uso perioperatório do celecoxib, como parte da analgesia multimodal em pacientes ambulatoriais submetidos à Videoartroscopia + LCA.
A pesquisa foi publicada em dois artigos no Anesthesia & Analgesia. Além disso ele fez palestras sobre o tema em inúmeros encontros científicos.
Inicialmente ele foi condenado à 10 anos. Porém seus advogados alegaram que um distúrbio bipolar não diagnosticado tenha "turbinado" sua ação (ou crime) bem como contribuído para tentativas múltiplas tentativas suicídio.
Como se sabe, em 2004, a Merck retirou do mercado "espontaneamente"  o rofecoxib após entender que o analgésico poderia causar infartos, AVC e outros eventos cardiovasculares.
O celecoxib, a exemplos de outros AINES, trás na sua bula um aviso sobre os potenciais efeitos colaterais do medicamento tanto cardiovasculares quanto sobre o sistema digestivo. Porém para uso na dor aguda o seu uso está liberado (desde que por tempo limitado 1 a 2 dias).
Segundo a advogado do Dr. Reuben "Esta doença não justifica o seu comportamento, mas propicia uma explicação para que se entenda sua motivação". Até parece episódio de Law & Order
Vejam que a Anesthesia & Analgesia, com seu corpo de editores da melhor qualidade, uma das revistas top da anestesia (AA), aceitou os dois artigos desse autor. Como as publicações científicas tendem a publicar resultados positivos nada de novo no front.
O que nos (me) preocupa réles leitor de periódicos científicos é a veracidade dos fatos citados no artigo. Claro que para isso temos a Medicina Baseada em Evidências, mas nem ela é capaz de detectar fraudes desse tipo. A não ser é claro, que solicitem todo o material de pesquisa.
Abraços,
Lorenzini
P.S.: Para os anestesiologistas um cítio muito bacana, de onde extraí essa notícia é o Medscape Medical News. É grátis e pode ser visualizado até do telefone celular. É só se associar e você recebe as notícias no seu e-mail.
Cítio: http://www.medscape.com

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Máscara Laríngea - I-gel versus Máscara Laríngea Supreme




Lorenzini e Dr. Braicomb
Desenvolvedor da ML Supreme
Lorenzini e Dr. Brain
Idealizador da 1ª ML e da ML Supreme










As máscaras laríngeas I-gel e Supreme são o que há de melhor no mercado. A ML Supreme foi desenvolvida e é produzida pelo pessoal que lançou a primeira ML no mundo. Os aperfeiçoamentos posteriores foram orientados pelo inventor da máscara laríngea Dr. Brain (foto acima à esquerda) junto com o Dr. Brimacomb (foto acima à direita) que é autraliano e desde o início do uso da ML vem fazendo críticas e sugerindo melhorias.
Na minha opinião é uma das máscara laríngeas mais bem feita. A Ambu copiou boa parte da ML Supreme e por isso pode ser usada no seu lugar.
Nós já tivemos a Supreme por aqui, mas forma poucas unidades. Talvez voltem se o preço for mais em conta.
A Máscara Laríngea I-gel (comercializada pela Intersurgical) foi desenvolvida por um dos companheiros do Dr. Brain e é muito interessante porque não se necessitar inflar o balonete. O gel da qual ela é feita, com o contato com o calor do corpo, aumenta de volume fazendo o selo entre a ML e o hipofaringe.
Num artigo interessante publicado no último número da Anaesthesia eles fazem a comparação do uso de uma e de outra sob ventilação controlada.
Demonstraram que neste estudo o selo de pressão da via aérea (Máscara laríngea em contato com a mucosa da hipofaringe) oferecido pela i-Gel é comparável com aqule da Supreme (inflável). Desta forma ambos os dispositivos de ventilação supraglóticas são comparáveis em termos de facilidade de inserção, sucesso na primeira tentativa, tem de inserção e a ocorrência do selo entre a ML e a mucosa e ambos proveram uma ventilação controlada efetiva nas cirurgias realizadas.
Minha conclusão:
 A i-gel é tão efetiva quanto as outras ML quando se trata de ventilação mecânica.
Referência:
Teoh WHL, Lee KM, Suhitharan T - Comparison of LMA Supreme vs i-gel in paralysed patients undergoing gynecological lapararoscopic surgery with controlled ventilation. Anaesthesia, 2010, 65 pages 1173-1179
Declaração: Não há nenhum conflito de interesse na divulgação desse artigo


Lidocaína tópica aplicada à Máscara Laríngea reduz as complicações peri operatórias da via aérea.



Para a inserção da Máscara Laríngea ela deve estar bem lubrificada.
Alguns usam o K-Y outros a lidocaína geléia.
O Dr. Brain, inventor da primeira ML, já dizia a máscara tem que ser bem lubrificada e sempre insistiu nisso.
Esse artigo demonstra que o uso de lidocaína tópica em forma de geléia para lubrificar a máscara laríngea reduziu o risco de complicações peri operatórias em crianças, tais como espasmo de glote, estridor e tosse.
O interessante é que isso ocorre mesmo na presença de infecções da via aérea superior.
Como se sabe as crianças sofrem mais ou menos seis infecções ou inflamações do trato respiratório superior por ano e mais de 70% dos pacientes chegam para cirurgias eletivas nesse estado.
No estudo foi um usado gel claro (3 ml/kg sem lidocaína) versus lidocaína tópica (0,3 ml/kg de licocaína gel 2%) na máscara laríngea.
A anestesia foi padronizada para todos os procedimentos.
O estudo foi randomizado e o anestesistas, que conduzia a anestesia, estava cegado para o tipo de gel usado (a ML era preparada por outro anestesista).
Resultados:
No grupo com infecção de via aérea alta, não houve diferença entre os grupos na duração de permanência na Sala de Recuperação, na taxa de complicações no intra e pós operatório. Contudo a tosse foi menor no grupo da lidocaína. Considerando o aspecto global da incidência de complicações o grupo da lidocaína foi o que teve menor incidência com 35% se comparados com 94% do grupo placebo.
No grupo sem infecção na via aérea alta as complicações forma menos freqüentes e não houve diferença estatística entre os dois grupos.
Resumo:
Este estudo mostrou que o uso de lidocaína gel para lubrificar a ML leva a uma redução significativa dos efeitos respiratórios adversos em pacientes pediátricos com ou sem história recente de infecção de via aérea.
Assim:
Lambuzar bem a ML com lidocaína gel!
Em especial a superfície que fica em contato com a mucosa da hipofaringe!
Referência:
Schebasta K, Guloglu E, Chiari A et al - Topical lidocaine reduces the risk of peri-operative airway complications in children with upper respiratory tract infections - Can J Anesth 2010; 57(8):745-50.


 




segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Antiplaquetários & cirurgia ambulatorial


No 57º CBA assisti a palestra da Dra. Maria José Carmona de São paulo sobre "A anestesia no paciente portador de stent coronariano recente". A abordagem do assunto foi muito pertinente e objetiva principalmente em relação ao uso ou suspensão dos antiadesivos plaquetários ou antiplaquetários. Atualmente o usual é que os pacientes recebam além da aspirina o clopidogrel (1).
Aspirina : interfere na síntese dos eicosanóides, bloqueando a produção de tromboxano A2 ( agregador plaquetário e vasoconstritor)  ao inativar a COX 1; provoca inativação completa da COX1 na dose de 160mg/dia; doses superiores inibem as prostaciclinas e prostaglandinas.
Dipiridamolaumenta a concentração de AMPc que  inibe PAF (fator de agregação plaquetária). Usos: administração oral associado a aspirina reduz isquemia.
Tirofibanocupa o sítio de ligação do fibrinogênio inibindo agregação plaquetária. Usos: administração i.v. seguida de infusão por 24 h no tratamento da síndrome coronariana aguda e na angioplastia.
Ticlopidina e Clopidogrelpró-drogas bloqueadoras irreversíveis do receptor da adenosinadifosfato (ADP), responsável pela alteração do formato das plaquetas e sua agregação; Farmacocinética: rápida absorção v.o. e  biodisponibilidade; efeitos após 8 a 10 dias da administração;  inibição da agregação o persiste após alguns dias da retirada.
Prasugrel: é um antiplaquetário novo da terceira geração das thioenopiridinas que inibe o receptor ADP P2Y12 das plaquetas, de forma específica e irreversível.
Tricagrelor: é um novo antiplaquetário com efeito reversível sobre os receptores ADP P2Y12 das plaquetas; será especialmente interessante quando haverá a necessidade de uma recuperação rápida da função do ADP.
É importante ressaltar que todas essas medicações se unem às plaquetas de forma inversível assim, o seu efeito só cessará quando a plaqueta envolvida pela medicação for destruída.
Do trabalho lido para escrever essa postagem retirei algumas observações:
  • ao redor de dois milhões de intervenções percutâneas das artérias coronarianas são realizadas todos os anos na Europa acidental -  90% delas envolvem algum tipo de stent;
  • a associação mais comum no mundo é de aspirina com clopidogrel;
  • aspirina: com doses de 75 a 325 mg por dia, acetila de forma irreversível (ao redor de 7 dias) a serina 529 da COX-1 o que resulta na inibição do tromboxane A2 (TXA2) que desempenha um papel importante da adesividade plaquetária;
  • clopidogrel: com doses de 75 mg, se une aos resíduos da cisteína do receptor purinérgico ADP P2Y12 e atenua a agregação plaquetária em respostas ao ADP liberado pelas plaquetas ativadas.
  • não existem, disponível no mercado, testes para monitorar o efeito antiplaquetários dos diversos medicamentos;
  • as indicações, doses e combinações:
    • doença arterial periférica: terapêutica de longo prazo com aspirina ou clopidogrel;
    • AVC: terapêutica de longo tempo com aspirina ou clopidogrel;
    • síndrome coronariana aguda: terapêutica de longo tempo com aspirina associada ao clopidogrel por 12 meses);
    • stent coronariano: terapêutica de longo prazo com aspirina associada ao clopidogrel por 4 semanas nos casos de stents de metal e por 12 meses em caso de stents farmacológicos;
  • mesmo com o uso de dois antiplaquetários há uma grande variabilidade na resposta clínica;
  • o clopidogrel em especial pode ser potencializado pelos AINES;
  • o clopidogrel tem sua ação diminuída pelo uso de inibidores da bomba de prótons tais como omeprazol, pantoprazol. Esses dois medicamentos não devem ser usados nos pacientes em que se deseja um efeito antiplaquetário efetivo;
  • antiplaquetários (AP) e o risco de sangramento cirúrgico:
    • a terapêutica com dois AP aumenta o risco de sangramento espontâneo em 1/3 dos pacientes;
    • o medo de sangramento leva a suspensão dos AP de 5-10 dias antes da cirurgia; mesmo que isso esteja em confronto com os protocolos atuais da terapêutica antitrombótica;
    • a suspensão dos AP, apesar de inúmeros trabalhos publicados, não é uma unanimidade principalmente porque faltam pesquisas clínicas adequadamente realizadas;
  • aspirina:
    • foi feita em 2005 uma grande meta análise sobre o impacto de pequenas doses de aspirina na perda cirúrgica. As conclusões foram:
      • risco zero de sangramento em cirurgias superficiais como exérese de lesão de pele e facectomia;
      • sangramento em 75% do pacientes submetidos à RTU de próstata ou biópsia de próstata transretal;
      • assim verificou-se que a aspirina pode estar associada a um risco maior de sangramento apenas em procedimentos específicos;
  • clopidogrel:
    • não existem trabalhos conclusivos sobre o sangramento em cirurgias não cardíacas em pacientes em uso desse medicamento.
  • terapêutica com dois antiplaquetários:
    •  seria esperado que o uso de dois AP em cirurgias superficiais levassem a um maior sangramento, porém isso não acontece; por outro lado, a atenção deve ser redobrada nos procedimentos que incluem uma dissecção subcutânea tais como no implante do gerador do marcapasso;
    • na cirurgias maiores tais como neurocirurgia pode sim ocorrer sangramentos catastróficos;
    • em muitos casos o sangramento maior não se traduz numa mortalidade maior;
  • riscos associados à interrupção do tratamento:
    • um estudo retrospectivo envolvendo 606 procedimentos cirúrgicos em 461 pacientes com stents farmacológicos demonstrou que o risco de eventos trombóticos permanecem altos se a administração dos AP é interrompida;
    • o uso da heparina não reduziu o risco de eventos coronarianos nesses pacientes!
    • uma meta análise avaliando pacientes com terapêutica AP após infarto do miocárdio, stents coronarianos e eventos vasculares cerebrais bem como o uso de aspirina e/ou clopidogrel no contexto cirúrgico confirmaram que a interrupção precoce dos AP estava associada a um alto risco de trombose coronariana, quadro esse que pode ser maximizado pelo estado de hipercoagulabilidade induzido pela cirurgia.
  • e sobre a cirurgia ambulatorial?
    • revisões recente e Guidelines (mas poucos estudos randomizados) tem abordado os cuidados perioperatórios dos paciente que usam clopidogrel + aspirina após a implantação de stents.
    • as cirurgias, mesmo as de menor porte estão associadas com um aumento na resposta inflamatória e uma resposta protrombínica, que indicam a manutenção de todas terapêuticas antitrombóticas pois a interrupção dos AP pode levar a um risco maior de efeitos cardíacos adversos;
    • apesar da ausências de evidências científicas consistentes os cirurgiões muitas vezes sentem medo ao operar pacientes nessa situação temendo que o sangramento possa comprometer os resultados das cirurgias.
  • endoscopia digestiva:
    •  endoscopia digestiva diagnóstica com ou sem biópsia, stents biliares ou ou pancreáticos, ultrasson endoscópicocontinuar com o uso da aspirina + clopidogrel;
    • nos procedimentos com alto risco de sangramento tais como: polipectomia, endoscopia retrógrada, colangiopancreatografia com esfincterotomia, ressecção endoscópia submucosal, dilatação de estenoses, terapêutica de varizes esofágicas e gastrostomia percutânea deve-se considerar descontinuar a terapêutica com AAS + clopidogrel;
      • se o risco para um evento trombótico for pequeno (prevenção primária para o AVC ou doenças vascular periférica) interromper o uso de clopidogrel 7 a 10 dias antes do procedimento;
      • se o risco de trombose é grande (stents coronarianos - especialmente os farmacológicos) o cardiologista deve ser consultado para discutir a suspensão do clopidogrel 7-10 dias antes da cirurgia mantendo a aspirina;
    • nos casos de suspensão do antiplaquetários eles devem ser reiniciados no pós-operatório imediato a não ser que haja preocupação com sangramento após o procedimento; no caso de sangramento nova endoscopia deve ser realizada.
  • cirurgia sobre a pele:
    • nas ressecções de lesões malignas de pele a aspirina não se mostrou um fator independente para o risco de sangramento;
    • das mesma forma nos pacientes a associação de clopidogrel + aspirina não se mostrou um fator de risco adicional;
  • cirurgias odontológicas:  
    • nos procedimentos odontológicos invasivos (extração, cirurgia gengival, tratamento periodontal) a terapêutica antiplaquetária dupla deve ser mantido; os trabalhos não conseguiram demonstrar um aumento de sangramento nesses pacientes;
  • cirurgias urológicas:
    • RTU tanto de próstata quanto de bexiga (tumores): há grande risco de sangramento e necessidade de transfusão no pós-operatório quando o paciente está tomando os dois antiplaquetários; a interrupção desta terapêutica deve levar em conta os seus riscos e ser discutida com o cardiologista;
    • nas biópsias transretais de próstata: quando o paciente está usando a terapia dupla pode aumentar o sangramento cirúrgico e a hematúria e sangramento anal que seriam autolimitados pelo paciente; há a indicação de se suspender o clopidogrel 7-10 dias antes e manter a aspirina, retomando o clopidogrel no pós-operatório imediato.
  • implante de marcapasso:
    • trabalhos recentes mostraram a ocorrência de hematoma na loja do gerador (aspirina +clopidogrel); nenhum hematoma quanto clopidogrel foi suspenso (e a aspirina mantida) 4 dias antes do implante;
    • essa observação pode ser estendida para todas as cirurgias em que há dissecção subcutânea tais como algumas cirurgias plásticas;
  • Os pacientes usando clopidogrel + aspirina devem ser tratados de forma ambulatorial?
    • os pacientes usando AP (clopidogrel + aspirina) em que o risco de tromboembolimso é pequeno podem ser tratados de forma ambulatorial;
    • nas situações em que há uma grande possibilidade de trombose no stent (menos de 6 meses da inflantação do stent farmacológico, menos de 6 semanas da síndrome coronariana aguda ou AVC, idade avançada, diabetes, insuficiência renal, fração de ejeção baixa, trombose prévia no stent, stent tronco coronariano esquerdo, stent no óstio coronariano, stent em bifurcações, stents pequenos < 3 mm ou longos > 18 mm, múltiplos stents) o paciente deve ser hospitalizado;
    • as situações consideradas de baixo risco para que o paciente sofra um evento cardíacao deletério após a interrupção do AP são: os AP foram prescritos apenas como prevenção primária, mais de 6 semanas após o implante de stent metálico e mais de 6 semanas após a síndrome coronariana aguda ou AVC sem complicações.
  • Conclusões:
    • apesar do fato de que a terapêutica antiadesiva plaquetária (antiplaquetária)  em pacientes ambulatoriais raramente é tratada na literatura, guidelines gerais e recomendações podem ser feitas, adaptadas daquelas propostas em cirurgias mais gerais.
    • uma abordagem geral dos pacientes usando AP que serão submetidas a cirurgia ambulatorial pode ser dada pelo que segue:
      1. Para a grande maioria de procedimentos ambulatoriais, a terapêutica com AP pode ser continuada durante o período periopératório.
      2. Cirurgiões e anestesistas devem entrar em contato com o cardiologista do paciente antes da cirurgia, em especial se foi usado um stent farmacológico e assegur-se de um manuseio multidisciplinar no periooperatório.
      3. O risco da trombose no stent deve ser avaliada.
      4. Se o risco de trombose no stent for alto, o paciente deve ser tratado num ambiente que permita um manuseio e monitorização adequado e provavelmente seu tratamento tenha que ser hospitalar.
      5. Se possível a cirurgia deve ser adiada até que o tempo da terapia com AP tenha completado seu ciclo (de 6 semanas a 3 meses para os stents metálicos e no mínimo 12 meses para os farmacológicos).
      6. Uma interrupção da terapêutica com os dois AP por 5 dias é, em geral, suficiente para reduzir o risco de sangramento naqueles pacientes em que o sangramento pode interferir no resultado da cirurgia.
      7. A terapia antiplaquetária deve ser reiniciada tão logo seja possível após o procedimento.
      8. O paciente deve ser informado dos riscos relativos e das conseqüências, tanto da trombose do stent quando do sangramento.
Minhas observações:

  • a heparina (ou heparina de baixo peso molecular) não substitui os antiplaquetários pois seus mecanismos de ação são diferentes.
  • para cirurgias oftalmológicas onde apenas a anestesia tópica e sedação serão utilizados não há a necessidade de suspender nenhuma das medicações;
  • nas cirurgias oftalmológicas em que pretende fazer bloqueio peribulbar ou periconal pode ser mantida a aspirina (o outro antiplaquetário em uso deve ser suspenso 10 dias antes da cirurgia);
  • as demais opiniões estão de acordo com as conclusões do artigo.
Bibliografia (além dos sites citados):
  1. Servin FS, Is it time to re-evaluate the routines about stopping/keeping platelets inhibitors in conjunction to ambulatory surgery?  Corrent Opinion in Anesthesiology, 2010, 23:691-696.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Anestesia geral - hipnose, analgesia, bloqueio neuromuscular e proteção contra o estresse


Ilustração - Morton aplicando a primeira anestesia no Sr. Abbott
Domus do Éter - Massachusetts General Hospital
Na época em que Morton realizou a primeira demonstração pública da anestesia geral utilizou o éter etílico como único agente anestésico. Assim a anestesia inalatória com éter se manteve por muito tempo como a única técnica de anestesia geral. Na seqüência surgiram o thiopental, o pentotal e outros barbitúricos. Eu mesmo em 1968 fui anestesiado com thiopental + éter = náuseas, vômitos e agitação nos pós-operatório.

Anestesia geral contemporânea:
A anestesia geral contemporânea tem nome é a anestesia geral balanceada e se propõe a cobrir os quatro pilares da anestesia moderna que são: hipnose, analgesia, bloqueio neuromuscular e proteção contra o estresse.
Dessa forma para cada um dos pilares são utilizados medicamentos diferentes.
No passado quando os opióides se restringiam à morfina, meperidina, codeína, hidroxi morfona e outros opióides de longa duração a analgesia era precária e dessa forma utilizavam-se doses maiores dos hipnóticos e bloqueadores neuromusculares (na época chamados de curares). Então, os paciente eram mantidos numa hipnose profunda (em geral com thiopental sódico, éter ou halothano) para não sentirem dor.
O advento de novos medicamentos tornou a anestesia geral efetivamente balanceada.


Hypnos quer dizer sono, mas os estados hipnóticos não são obrigatoriamente tranqüilos e semelhantes ao sono. Braid, após propor o termo hipnose, observou que a mesma distinguia-se de um estado de sono, porém o termo já havia se consagrado. Atualmente o termo hipnose vem sendo reivindicado para a atividade que produz hipnose sem medicamentos
Com o desenvolvimento de novos medicamentos tais como o etomidato, o midazolan e o propofol agregou-se qualidade à hipnose. Sendo o propofol, por suas características, a medicação hipnótica mais utilizada atualmente. Da mesma forma os agentes inalatórios foram aprimorados, o halothano e o pentrane sucederam o éter e o ciclopropano com eficácia. A toxicidade hepática do halothano tanto para os pacientes quanto para os que trabalhavam nas salas cirúrgicas levou ao desenvolvimento do enflurano (menos potente e menos tóxico). O uso do enflurano vem sendo descontinuado por sua baixa potência e pouca eficácia aliado à maior incidência de náuseas e vômitos no PO. Na seqüência foram desenvolvidos o sevoflurano, o isoflurano e o desflurano (que requer vaporizador especial) que são os agentes inalatórios em uso atualmente. No nosso meio o agente inalatório mais utilizado é o sevoflurano e o endovenoso é o propofol (tanto na indução quanto na manutenção da anestesia).

Analgesia
Os opióides utilizados na analgesia durante a anestesia ou no PO são os agonistas para os receptores mu. A morfina era o opióide de eleição para uso trans operatório até o início da década de 70. Pensava-se que fosse produzido apenas pela papoula porém pesquisa recentes demonstraram que ratos produzem sua própria morfina. O primeiro derivado sintético da morfina foi a  diacetilmorfina que mostrou uma capacidade de provocar dependência como antes nunca vista. Recebeu o nome comercial de heroína e foi vendida em vários compostos farmacêuticos, principalmente em xaropes para tosse; hoje, tem a venda proibida e é ilícita na maioria dos países. Um fato curioso sobre a heroína: um dos produtos da acetilação com o anidrido acético é o ácido acético. Este ácido é o que está presente no vinagre, e lhe dá o cheiro característico. A polícia francesa treinou cães para farejar este odor e, então, auxiliar na descoberta de fábricas clandestinas de heroína. 
Os para efeitos e o t 1/2 beta da morfina levaram a pesquisa de medicamentos sintéticos dela derivados. Foram desenvolvidas as fenilpiperidimas: meperidina e fentanila; as metadonas: metadona e dextropropoxifeno; os benzomorfan: pentazocina; e a tebaina: etorfina.
O citrato de fentanila é, então, um analgésico opióide sintético, com ação agonista forte para os receptores µ, sendo altamente lipofílico, agindo predominantemente em âmbito supra-espinhal, especialmente em região talâmica. A analgesia do citrato de fentanila é 100 a 150 vezes mais potente que a morfina. A fentanila foi sendo aprimorada e surgiram o alfentanil, o sufentanil e o remifentanil. Cada com propriedades farmacológicas próprias e indicações precisas. A solubilidade lipídica (coeficiente octanol/água) é de 1,4 para a morfina, 813 para o fentanil, 145 para o alfentanil e 1778 para o sufentanil. A morfina possui a menor lipossolubilidade o que resulta numa lenta penetração através das membranas; isto faz com que chegue ao sistema nervoso central lentamente, exibindo um início de ação mais demorado. O sufentanil, fentanil e em menor grau o alfentanil possuem uma alta lipossolubilidade e portanto um rápido início de ação após injeção venosa. A porcentagem de ligação protéica (incluindo albumina e alfa1-glicoproteína ácida), em pH 7,4, é de 30 para a morfina, 84 para o fentanil, 92 para o alfentanil e 93 para o sufentanil. O fentanil, alfentanil e sufentanil ligam-se principalmente a a1-glicoproteína ácida, enquanto que a morfina liga-se, principalmente, à albumina9. Os opióides mais recentes possuem um alto grau de ligação protéica, conseqüentemente uma menor quantidade do fármaco está disponível na forma livre, estado no qual há a penetração no sistema nervoso central e produção do efeito. A alta taxa de ligação protéica também contribui para um menor volume de distribuição e limita a quantidade de droga livre disponível para eliminação pelos sistemas hepático e renal, o que reduz a taxa de depuração. Outros opióides como o tramadol, a buprenorfina e a nalbufina são mais utilizados no PO do que na anestesia.
O antagonista clássico para os opióides é a naloxona que compete com os opióides nos receptores sem causar analgesia mas revertendo seus para efeitos (depressão respiratória e sonolência). 

Bloqueadores Neuro Musculares (BNM)
Os bloqueadores neuromusculares, inicialmente denominados curares, tiveram uma evolução mais lenta. Durante muito tempo a D-tubo curarina foi o único BNM disponível. 
A succinilcolina, sintetizada em 1949, foi usada pela primeira vez em 1951. Ela foi desenvolvida como BNM despolarizante para facilitar as intubações traqueiais de efeito intenso porém fugaz foi usada durante muito tempo, seu uso vem decaindo à medida que novos BNM vão sendo desenvolvidos. Atualmente existem sérios questionamentos sobre seu uso.
Em 1947 foi sintetizada a galamina, em 1961 o alcurônio foi utilizado pela primeira vez em humanos e o primeiro BNM sintético realmente confiável foi o pancurônio, utilizado pela primeira vez em 1964. Foram desenvolvidos na seqüência o vecurônio em 1979, o atracúrio em 1980, o mivacurio em 1993 e o rocurônio em 1994 (mais informações visite este sítio).

Proteção contra o estresse:
A proteção contra o estresse foi introduzida recentemente com um dos fundamentos da anestesia. Consiste basicamente em se evitar que o paciente libere catecolaminas e cortisol na presença dos estímulos da laringoscopia e intubação traqueal e dos estímulos cirúrgicos ou nociceptivos.
Essa proteção começa no preparo do paciente após a indicação da cirurgia e segue na pré-anestesia com informações corretas,  e o uso de tranquilizantes em doses efetivas (na noite da véspera da cirurgia e uma hora antes da anestesia).
No trans operatório os principais agentes para a proteção contra o estresse são os analgésicos, níveis adequados de anestesia e a anestesia condutiva seja através de bloqueios nervosos centrais ou periféricos. A analgesia adequada além de promover uma estabilidade hemodinâmica tem repercussões no pós operatório. Pacientes com boa analgesia durante a anestesia tendem a ter menos agitação e a dor no pós-operatório imediato é de menor intensidade.
Para essa proteção também são utilizados os alfa 2 agonistas (clonidina e dexmedetomidina) e os beta bloqueadores. Os beta bloqueadores normalmente usados no pré-operatório são o sotalol, o atenolol, o bisoprol, o pindolol, o nevibolol, o carvedilol e o propranolol. Para uso endovenoso temos o metoprolol (Seloken, Tartarato de Metoprolol) e o esmolol (Brevibloc). Existem vários trabalhos demonstrando a eficácia desses medicamentos tanto no seu uso profilático quanto na intervenção das taquicardias ventriculares.


Minhas observações:

  • tenho acompanhado algumas anestesias e percebi, eventualmente, o uso, digamos, um pouco diferente dos analgésicos;
  • anestesias gerais com duas horas de duração e 2 a 3 ml de fentanil administrados durante todo esse tempo ao mesmo tempo em que o sevoflurano estava em 3-4%;
  • por outro lado já encontrei anestesias pediátricas em que as crianças recebem doses elevadas (pelo menos para mim) de alfentanil, fazem depressão respiratória, rigidez torácica e demoram para despertar;
  • quando são usados analgésicos de curta duração é importante que se garanta a analgesia no PO imediato (ao acordar ou antes disso);
  • na minha opinião o uso de beta bloqueadores (em especial o esmolol - Brevibloc - em infusão contínua) deveria ser maior, em alguns pacientes críticos que anestesiamos. Trabalhos mostram a proteção cardíaca desses fármacos;
  •  da mesma forma o uso de alfa bloqueadores, em alguns caso, podem ser benéficos em especial no controle das respostas pressóricas - tantos em hipertensos quanto e não hipertensos;
  • analgesia de menos = agitação no pós-operatório, tremores (aumento consumo de oxigênio) e dor mais intensa no PO.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dexmedetomidina

Estrutura química da 
Dexmedetomidina
Dexmedetomidina, cloridrato
(Precedex é marca registrada da Hospira):
  • potente agonista alfa2 adrenérgico com afinidade 8 vezes maior que a clonidina para esse receptor;
  • ação periférica: ativação do receptor alfa2 pré-sináptico, diminui a liberação de noradrenalina;
  • ação espinhal: produzem analgesia por interferir com o processo de transmissão;
  • ação supra espinhal: sedação e hipnose com ação nos mecanismos de ativação cortical através no locus ceruleus;
  • inibição central do sistema simpático;
  • sedativo agonista alfa2 adrenérgico seletivo com propriedades analgésicas;
Clique na figura - artigo sobre o uso da 
dexmedetomidina em pacientes críticos
  • diminui a resposta à intubação;
  • promove estabilidade hemodinâmica;
  • diminui o consumo de anestésicos - hipnóticos 30%; opióides etre 30 e 40% e halogenados 50%.
  • sedação resultante se caracteriza por um despertar tranquilo;
  • potencializa a analgesia;
  • diminui a agitação e o tremor no PO;
  • diminui a incidência de náuseas ou vômitos no PO;
  • não causa depressão respiratória;
  • efeitos colaterais: bradicardia ocorre em 20% dos pacientes (efeito simpaticolítico + vagomimético), bradicardia + hipertensão (resposta reflexa dos barorreceptores em resposta ao aumento da pressão arterial); hipertensão (ativação dos receptores alfa2beta pós-sinápticos conseqüente à administração de doses mais altas);  hipotensão (na presença de hipovolemia); a hipotensão também pode ocorrer em pacientes dependentes da ativação do sistema nervoso autônomo ou naqueles que perderam a sua sensibilização (idade avançada, diabetes, hipertensão crônica ou doença cardíaca grave); a hipotensão em voluntário foi de 13%; 
  • os efeitos colaterais podem ser revertidos com o uso de fármacos vasoativos e ou anticolinérgicos;
  • metabolização: hepática e excreção após a metilação e glicoronidação é realizada principlamente por via renal; nos pacientes hepatopatas a meia-vida de eliminação aumente para 7,5 h e portanto a dose deve ser diminuída entre e 40 e 70%; na insuficiência renal grave a sedação é mais prolongada pela diminuição da ligação proteica da dexmedetomidina;
Clique na figura para ser remetido ao artigo original.
Doses:
  • apresentação: frasco ampola de 2 ml com 100 μg.ml-1:
  • diluir 2 ml em 48 ml de Solução Fisiológica - bomba de seringa de 50 ml:
  • dose indução: 1 μg.kg-1 em 10 – 20 min;
  • para se obter a dose de 0,4 μg.kg-1 na diluição apresentada acima a velocidade de infusão em ml.h-1 deve ser igual a 10% do peso corporal do paciente;
  • a dose de manutenção pode variar de 0,2 a 0,7 μg.kg-1.h-1 o usual é 0,4 μg.kg-1.h-1; deve-se titular a dose de acordo com o nível de sedação e analgesia desejada e as respostas hemodinâmicas;
  • no pós operatório a dose para analgesia e sedação é de 0,2 mg.kg-1.h-1;
  • não há necessidade de diminuir a infusão antes da extubação;
  • raqui anestesia: sedação EV: de 0,1 a 0,2 μg.kg-1;
  • atenção para a dose de opióides na analgesia multimodal.
Minhas opiniões:
  • atenção: como é um agonista alfa2 adrenérgico apresenta efeitos simpaticolíticos o que provoca a bradicardia e hipotensão (dose dependente, velocidade de injeção e volemia); na hipovolemia ou volume sistólico fixo usar com cautela
  • no pós-operatório fazer uma analgesia multimodal usando o opióide com parcimônia e mantendo a dexmedetomidina no seu lugar;
  •  é particularmente útil em crianças acima de 18 meses pois além da analgesia promove uma sedação leve - a criança pode ser despertada para se alimentar e em seguida volta a dormir;
  •  pela velocidade menor de infusão 50 ml pode durar, em alguns casos pediátricos até 48 h;
  •  48 h é o limite para seu uso no PO;
  •  em pacientes mais pesados ou adultos podemos concentrar a diluição adicionando 2 ou 3 frascos ao volume qsp 50 ml e recalcular a velocidade de infusão - 2 frascos=metade da velocidade de infusão; 4 frascos= um quarto da velocidade de infusão;
  •  se utilizarmos uma bomba de infusão de rolete com a dexmedetomidina diluída em volumes maiores a velocidade de infusão deve ser recalculada;
  •  exemplo - paciente de 50 kg de peso a dose no PO será de 2,5 ml.h-1 se a diluição for em 50 ml; se a diluição for feita em 250 ml (5 x maior) a velocidade de infusão também deverá ser 5 x maior = 12,5 ml;
  •  tenho usado em adultos como analgésico no PO de cirurgias sobre a coluna; cirurgias sobre o MS quando o bloqueio não foi efetivo; cirurgia geral; adenoamigdalectomias em adultos; cirurgia cardíaca; etc.
  •  o único inconveniente é o seu preço (ao redor de R$ 120,00 o frasco).
Bibliografias:
  •  uso em obesos mórbidos;
  •  outras bibliografias interessantes.
  • Dexmedetomidine vs Midazolam for Sedation of Critically Ill Patients - A Randomized Trial - 
    Riker RR, Shehabi Y, Bokesch PM, et al. for the SEDCOM (Safety and Efficacy of Dexmedetomidine Compared with Midazolam) Study Group.
    JAMA. 2009; 301(5): (doi:10.1001/jama.2009.56).
Declaração pertinente: não há nenhum conflito de interesses nessa publicação, pois o autor não recebe subsídios da Hospira e não tem nenhuma relação comercial com essa empresa.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A analgesia pós operatória - deve ser efetiva e nós somos os responsáveis!



Colegas, como vocês sabem fiz minha cirurgia e passei uma tarde e uma noite na Sala de Recuperação do HSVP. Passei muito bem pois fique sob o cuidados de três pessoas, uma à tarde (Luiz), uma das 19:00 h às 01:00 h e outra da 01:00 h às 7:00 h quando voltei a ficar sob os cuidados da equipe da manhã da qual o Luiz faz parte. Assim, nesse quesito fiquei ótimo - sem náuseas, sem tonturas, sem dor, sonolento o suficiente, sentado (30º), com um biombo me separando dos demais pacientes e com gelo colocado ao redor da face (que era efetivamente trocado a cada hora).
Mas o meu assunto nessa postagem não é esse é a analgesia pós operatória.
Durante a tarde entraram três paciente urrando de dor na SR. Perguntei para o Luiz o que estava ocorrendo e ele foi dar uma olhada. Dois pacientes não eram dos nossos cirurgiões e um era.
Tão logo esses pacientes chegaram receberam a medicação prescrita para a dor, porém continuaram se queixando. Os três tinham apenas dipirona, paracetamol (VO) e um AINES prescrito.
À noite outros dois pacientes entraram no mesmo estado, um era uma criança, que como é óbvio perturbou o sono e o repouso da grande maioria dos pacientes (alguns em coma e no ventilador talvez nem tenham percebido).
Constatado o fato, e como não tinha nada para fazer naquele momento passei a fazer algumas conjecturações, tais como:

  • a condução da analgesia nas primeiras 24 horas é de nossa responsabilidade - e não da enfermagem da SR;
  • como a grande maioria de nós não visitamos nossos pacientes no pós operatório ele se queixam para a enfermagem e para os cirurgiões;
  • os cirurgiões, com toda razão, aporrinham o saco do primeiro que encontram, ou daquele com quem tem mais amizade;
  • o diferencial de um serviço de anestesiologia é a medicina peri operatória (avaliação pré-anestésica, anestesia bem feita e cuidados pós-operatórios imediatos) que seus membros praticam.
Dessa forma como já temos a visita e a consulta pré anestésica equacionada nos resta aprimorar a anestesia (sobre a qual falarei em outra postagem) e os cuidados pós operatórios (em especial os que se referem à náuseas, vômitos, desconforto e dor pós operatória).

Acho que todos nós devemos fazer um mea culpa e reavaliar as nossas condutas.
A analgesia multimodal é seguramente a melhor nos pós-operatórios, vários trabalhos corroboram isso. Alguns desses trabalhos estão resumidos nos vários livros sobre dor aguda e analgesia pós operatória que temos no consultório (estão lá à disposição de quem se interessar).
Resumindo na analgesia multimodal  a técnica consiste na associação de diversos medicamentos analgésicos ou técnicas de analgesia e co-analgesia. Os medicamentos usados são anestésicos menores (paracetamol, dipirona), um AINES, um opióide, tranquilizantes ou ansiolíticos e antieméticos.
Dentre os AINES um tem ganho destaque no pós-operatório imediato (mas que só pode ser utilizado por no máximo dois dias) que é o cetoralaco de trometamina (Toradol, Toragesic e na formulação genérica). Esse medicamento na dose de 30 mg 6/6 h tem efeito simular à 10 mg de morfina EV. Ele é mais analgésico do que os outros AINES mas tem o inconveniente de poder ser utilizado por dois dias (ANVISA). Mas ai me pergunto na dor pós-operatória qual a moral de usar AINES por mais de dois dias. O cetoralaco tem todas as contra-indicações dos demais analgésicos porém agride menos o rim e a mucosa gástrica.
O morfinomimético - especificamente a morfina - é um elemento importante nessa técnica de analgesia, porém muitas vezes ele é mal utilizado. Se não vejamos ao prescrevermos 1, 2 ou 3 mg de morfina EV de 4/4 h ou de 6/6 h deixa uma janela sem analgesia pois a sua meia-vida EV é de 1 h. Eu prescrevo morfina SC de 4/4 ou de 6/6 h, sei que muitos colegas acham que a injeção subcutânea tem uma absorção errática e é desconfortável para o paciente. Uma alternativa adequada é a infusão contínua da morfina ou do fentanil, nessa técnica temos a certeza de que o paciente mantém seus níveis séricos adequados. Lembrando sempre que os morfinomiméticos causam constipação.
Recentemente vem ganhando força na analgesia multimodal a associação desses medicamentos com bloqueios ou anestesia condutivas (infiltrativa, bloqueios periférios (tanto de MsIs quanto de MsSs), bloqueio do plexo braquial, raquianestesia, bloqueio peridural simples ou contínuo).

O bloqueio peridural contínuo vem sofrendo algumas restrições desde que se passou a utilizar as heparinas de baixo peso molecular. Mas trabalhos demonstram que se o cateter for passado - sem intercorrências - antes do uso dessas heparinas os riscos são mínimos. A sua retirada deve ser feita entre uma dose e outra ou seja, seis horas após a administração nos esquemas de 12/12 h e 12 horas após a administração se o esquema é de 24/24 h. Atualmente vejo indicação para o cateter epidural nas grandes cirurgia abdominais e no tratamento das fraturas da pelve e acetábulo. A solução a ser infundida depende do gosto de cada anestesista. Acredito que atualmento só o Dr. Rafael Baldissera tem feito cirurgias desse porte e o bom é que ele sabe manusear o cateter. Nas fraturas de quadril (acetábulo, anel pélvico) do Dr. Luiz Henrique temos que assumir essa função e fazer o seu manuseio no pós-operatório, principalmente a sua retirada.
Nas prostatectomias radicais, na minha opinião, basta que se faça um bloqueio subdural ou peridural com morfina ou outro opióide que permitam uma analgesia por umas doze horas.
Nas cirurgias sobre o ombro ou úmero a associação da anestesia multimodal com bloqueio do plexo braquial ou cervical é imperativa. Eu tenho uma técnica que aprendi num work shop em que o plexo braquial é abordado via posterior. É muito fácil de fazer, os aspectos negativos são, o paciente deve estar sentado ou ser colocado em decúbito lateral sobre o lado são. Breve postarei a técnica que eu uso. Em alguns casos em que não consigo fazer o bloqueio deixo o paciente com infusão contínua de dexmedetomidina associada a analgesia multimodal (com parcimônia no uso dos opióides).
Nas cirurgias sobre o membro superior é claro que a associação perfeita é o bloqueio de plexo braquial com a analgesia multimodal. Muitas vezes pela premência de tempo ou dificuldades técnicas não conseguimos fazer o bloqueio. Nesse caso a solução é: ao final da cirurgia solicitar a infiltração do local da cirurgia ou um bloqueio mais periférico seja feito pelo cirurgião.
Dr. Antonio Severo bloqueando paciente
Nos pacientes em que opto por anestesia geral solicito aos cirurgião que infiltre o local com ropivacaína ou bupivacaína, associada ou não à clonidina. Todos os cirurgiões concordam com essa técnica, alguns até, além da infiltração local, fazem um bloqueio periférico.
Nas cirurgias sobre o quadril temos o grande dilema de usar ou não a analgesia peridural contínua. Eu não tenho usado. Tenho feito via de regra uma raquianestesia com morfina e mantenho a anestesia multimodal no pós-operatório. Nas próximas cirurgias vou visitar os paciente para ver se funciona.
Nas cirurgias sobre o joelho tenho duas técnicas de analgesia (associada à multimodal).
Nas videoartroscopias faço uma anestesia geral endovenosa sob máscara laríngea e solicito que ao fina o joelho seja infiltrado com ropivacaína 10 mg/ml + morfina 10 mg. Utilizo a ropivacaína pois na grande maioria das vezes ao o cirurgião ao usar o shaver cria uma área cruenta podendo causar a absorção do anestésico local e nesse caso a ropivacaína é a que tem menor toxicidade.
Para as próteses de joelho ou as cirurgias que envolvem o reparo do ligamento colateral anterior (ou outro qualquer) a minha opção é pelo bloqueio peridural ou raquianestesia (com sedação) e depois o bloqueio do nervo femoral. Esse bloqueio pode ser feito antes do paciente sair da sala ou horas após já na recuperação. Para esse bloqueio utilizo ropivacaína 10 mg/ml 20 ml associada à clonidina 150 mcg. E é claro a analgesia multimodal. Tem dado certo.
Para as cirurgias sobre o pé ou antepé algumas vezes faço bloqueio central em outras anestesia geral e o Dr. Everton infiltra o local (além de fazer bloqueios distais) com ropivacaína isso tem funcionado bem. No pós operatório imediato a analgesia multimodal é a minha escolha.

Nisso tudo o que importa é o bem estar do paciente e para isso temos que deixar de lado as técnicas ultrapassadas, nos interessarmos mais pelos nossos pacientes e 
deixar o comodismo de lado.

Abraços,
Lorenzini

P.S.: Próxima postagem "Dexmedetomidina - uma boa opção para o trans e pós operatório"

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nomograma para a diluição de medicamentos

Nomograma para a diluição de medicamentos



Introdução:
O nomograma é utilizado para facilitar o cálculo das doses das medicações usadas em infusão contínua.
Ele se baseia no peso do paciente assim, quanto mais pesado o paciente menor o volume de diluição (VD) pois a medicação deverá ficar mais concentrada na seringa. Da mesma forma quanto mais magro o paciente maior o volume de diluição com a medicação ficando mais diluída.
O raciocínio fica fácil de ser feito quando utilizamos medicamentos com 200 mg como é o caso da dopamina e da dobutamina. Nesses casos (com 200 mg no volume de diluição na seringa) a infusão de 1 ml por hora dará diretamente a dose de 1 mg.kg-1.min-1 da medicação.

Cálculo do volume de diluição:
Pressuposto: 1 ml.h-1 deve administrar 1 mg.kg-1.min-1
Considerando o peso do paciente (P) em kg teremos que:

      (1 x P x 60)/1.000 = mg/h (desde que 1.000 mcg = 1 mg) levando a:

      1 ml.h-1 = (1 x P) mg.min-1 = (1 x P x 60) mg.h-1 ou seja:

      que = (0,06 x P) mg.h-1

       Assim 1 ml da solução deverá conter (0,06 x P) mg.

Desde que a quantidade total da droga é de 200 mg o volume de diluição será de:
   200/(0,006 x P) ml = (200/0,06) x (1/P ml) = 3333 x (1/P ml) = 3333/P ml

Assim, para calcular o volume de diluição (VD) ao qual os 200 mg do medicamento deverão ser adicionados, para a administração de 1 ml/h nos dê uma dose de 1 mcg/kg/min deve-se dividir 3333 pelo peso do paciente em kg e dilua a medicação nesse volume.

Para checar isso multiplique o peso do paciente pelo volume de adição o resultado deverá ser de aproximadamente 3333.

E.G.: paciente com 70 kg, o volume de diluição será de 3333 / 70 = 47,6 (48) ml.

Isso se aplica à dopamina e à dobutamina pois ambas estão dosadas em 200 mg. Outros medicamentos são usados em quantidade menores. As suas dosagens por ml são dadas abaixo.

Da mesma forma se desejarmos poderemos usar a dexmedetomidina, cujo frasco possui 200 mg, com o volume de diluição.

Adrenalina, noradrenalina e isoprenalina:
- 2 mg (= 1/100 de 200 mg) assim, 1 ml.h-1 nos dá 0,01 mg.kg-1.min-1.

Trinitrato de glicerina e nitroprussiato de sódio:
- 50 mg (= 1/4 de 200 mg) assim 1 ml.h-1 nos dá 0,25 mg.kg-1.min-1.



O volume de diluição pode ser usado nas bombas de infusão B.Braun de seringa ou nas de rolete.
Para o uso  nas bombas de rolete o raciocínio deve levar em conta o maior volume de solução. Como elas funcionam com frascos de soro maior do que 50 ml devemos adequar a dose do medicamento ao volume de diluição maior.
Assim, se quisermos utilizar o nomograma para volumes de diluição 2 ou 3 x vezes maior daquela calculada (3333 / peso) devemos também aumentar a dose do medicamento em 2 a 3 vezes dependendo do caso.

Para as bombas mais modernas, que possuem uma biblioteca de fármacos todas essas contas são desnecessárias.

Bibliografia:
Burton GW – Humprey Davy Department of Anaesthesia, Bristol Royal Infirmary, Bristol UK.